Movimentos
 sociais, estudantes, sindicalistas e ativistas ocuparam as ruas de 
várias cidades do país neste sábado (23) para realizar ato em defesa da 
democracia, do direito à memória e justiça e contra o golpismo.

As manifestações ocorreram faltando pouco 
mais de uma semana do aniversário de 60 anos do golpe civil-militar de 
1964, no dia 31 de março. Hoje, os manifestantes ressaltaram a 
importância de não deixar cair no esquecimento os chamados anos de 
chumbo, período da ditadura de 1964 a 1985.
Em São Luís, no Maranhão, a manifestação foi
 marcada para às 9h, na praça Deodoro, no centro da cidade. Na 
sequência, os participantes realizaram uma assembleia popular onde 
reforçaram a importância de se punir os participantes e organizadores 
dos atos golpistas do 8 de janeiro de 2023. Eles criticaram ainda a 
decisão do governo de não promover ações sobre o período da ditadura.
“Esse ato simboliza a necessidade, que é uma
 necessidade contínua do não esquecimento, sobretudo, do golpe de 64. Há
 uma determinação ou uma orientação do atual comando político do país, 
do próprio governo Lula, de não se fazer um ato referido ao tema. Mas 
nós, enquanto sociedade civil, não podemos nos dar ao luxo de não fazer 
ato de memória, porque é a democracia que vivemos hoje é algo que custou
 caro, mas custou muito caro para os que efetivamente lutaram para que 
nós hoje possamos usufruir o pouco que temos. Acho que esse ato ele 
cumpre essa tarefa de comunicar, de dizer que nós não podemos nos dar ao
 luxo de esquecer o que vivemos, para, inclusive, assegurar que gerações
 futuras tenham conhecimento das razões do porquê estamos aqui hoje”, 
disse à Agência Brasil, Danilo Serejo, liderança quilombola e integrante do Movimento dos Atingidos pela Base de Alcântara (Mabe).
Para ele, bacharel em Direito pela 
Universidade Federal de Goiás (UFG) e mestre em Ciência Política pela 
Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), o ato também é um recado de 
que deve haver a responsabilização dos envolvidos nos atos golpistas de 8
 de janeiro.
“Os atos de 8 de janeiro estão diretamente 
conectados em razão da história mal resolvida que a sociedade brasileira
 e o Estado brasileiro têm com a ditadura. Não ter resolvido isso da 
forma como se deveria ter sido resolvido, não ter punido os generais, os
 militares que atuaram naquele momento é o que dá sustentação à 
tentativa de golpes como essa do 8 de janeiro. Por isso que é muito ruim
 do ponto de vista simbólico a orientação do governo brasileiro atual de
 não querer fazer um ato em memória ao golpe de 64”, assinalou.
O vice-presidente da União Nacional dos 
Estudantes (UNE), no Maranhão, e estudante do curso de História da 
Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Clark Azúca, destacou que o 
grito de “ditadura nunca mais” é a voz da sociedade em favor dos valores
 democráticos, contra qualquer tentativa de retrocesso autoritário. Por 
isso, a necessidade do direito à memória.
“A gente está falando hoje, no ato, que é um
 ato sobre memória, justiça e verdade. E a gente precisa lembrar  que o 
esteio comum a tudo isso é a não elaboração da memória pública, tanto 
para o golpe militar que aconteceu no Brasil, que não teve uma 
elaboração da nossa memória enquanto sociedade”, afirmou Azúca.
“A gente não pode falar em nação sem pensar 
na memória da gente. A memória é constitutiva, historicamente, do etos 
[costumes] da gente. Então, a gente tem uma organização social em que, 
simplesmente, se torna tabu falar sobre a ditadura militar, um processo 
tão traumático para toda a sociedade, mas especialmente para o povo. 
A gente está realmente com uma identidade que é faltosa de uma parte 
constitutiva da gente, como se fosse uma lacuna, um elefante branco do 
qual ninguém fala”, assinalou.
Ditadura
Durante o regime autoritário - que durou 
mais de duas décadas - opositores foram perseguidos, torturados e 
mortos, a exemplo dos estudantes Honestino Guimarães,
 então presidente da UNE, e Edson Luís. Houve censura imposta à 
imprensa, atingindo também a cultura. Artistas tiveram suas obras 
mutiladas, muitos foram exilados.
“Um dos primeiros atos da ditadura militar 
foi incendiar a sede da União Nacional dos Estudantes (UNE), porque 
sempre foi uma entidade que estava lutando, que nunca esteve fora da 
rua, que nunca deixou de estar falando. E os estudantes têm que estar 
presentes nisso, têm que estar presentes na rua, demandando a nossa 
justiça, demandando política para a gente, para a nossa juventude, 
demandando que a gente possa estar sendo representado. A gente precisa 
lembrar dos nossos mártires, a gente precisa lembrar de Honestino 
Guimarães, a gente precisa lembrar de Edson Luís. Esses foram nomes de 
pessoas que deram a vida para que a gente pudesse estar aqui hoje. A 
gente não pode deixar isso esquecer, a gente precisa sempre deixar nossa
 memória viva”, defendeu Azúca.
O estudante ressaltou, ainda, que 
diferentemente do final do regime militar, onde houve anistia dos crimes
 políticos cometidos por militares, tem que haver a responsabilização 
dos organizadores e participantes dos atos golpistas de 8 de janeiro.
“A gente teve nossa sede [da UNE] incendiada
 na ditadura militar, nós fomos criminalizados, teve gente presa e 
torturada e isso não pode ser esquecido, isso faz parte de quem somos, 
isso faz parte de quem somos enquanto União Nacional de Estudantes, faz 
parte enquanto juventude, isso faz parte da nossa história. Por isso que
 é tão importante para a gente estar nesses locais falando com a 
população, falando com os estudantes e levando justamente para 
conhecimento desse momento da nossa história, que não pode ser 
esquecido. É até curioso pensar que tem gente que volta a falar sobre a 
anistia e foi isso que não possibilitou que a gente elaborasse a nossa 
perda, porque foi um pacto social de silêncio em relação a todos os 
desmandos que aconteceram”, relatou.
“A gente está falando sobre a necessidade de
 que a juventude, principalmente, tenha acesso a essa parte do nosso 
passado que afeta diariamente a gente. A gente veio de um governo nos 
anos anteriores que eram filhos e filhas dessa truculência, dessa 
violência e desses absurdos da ditadura militar. Isso voltou para a 
gente, foi a gente que sofreu agora. Por mais que isso seja um 
sofrimento diferente, que tenha acontecido em tempos diferentes, mas uma
 coisa está relacionada a uma outra. A gente não pode deixar de 
relacionar isso. E a gente não pode deixar de elaborar essa memória para
 que, justamente, isso não se repita”, finalizou Azúca.
Mobilização em defesa da democracia e contra anistia a golpistas movimentou São Paulo e outras cidades  Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
 Voz da juventude
A professora do Departamento de Sociologia e
 Antropologia da Universidade Federal do Maranhão, Arleth Borges, disse 
que a participação da juventude nesses espaços é fundamental para o 
impulsionamento das lutas populares no país.
“É muito simbólico, muito bom, que os 
estudantes estejam aqui, porque isso é uma garantia de vida, de luta, 
tanto no presente quanto no futuro, e a gente precisa disso, porque os 
desafios colocados são imensos, não são de agora, [eles são] uma luta 
tenaz, demorada”, argumentou.
“Estamos numa conjuntura muito desafiante e 
complexa. Mesmo o pouco que a gente alcançou [após a ditadura militar] 
está sob risco e a gente tem que dar a centralidade da luta de defender a
 democracia. Depois que terminou a ditadura, eles ficaram envergonhados,
 tiveram um momento de um certo acanhamento e, agora, a direita está aí,
 mais extremista do que nunca. Às vezes, a gente se ressente de que 
somos poucos, mas ninguém está aqui com condições facilitadas como as 
que a gente viu naquele 8 de janeiro. A nossa luta tem uma dignidade. 
Fico contente por todo mundo que está aqui lembrando a associação [do 8 
de janeiro] com 1964”, emendou.
A professora relacionou, também, momentos 
históricos do país em que houve ruptura institucional quando governos 
progressistas chegaram ao poder, a exemplo do governo do presidente João
 Goulart (foto). Arleth disse ainda que é fundamental para a memória do 
país a construção do Museu de Memória e Direitos Humanos, com memórias 
da ditadura militar.
“Os indígenas e os quilombolas começam a 
levantar a cabeça e vem novamente a tal da roda-viva, querendo de novo 
nos rebaixar, nos agachar. Foi assim quando, por exemplo, a gente, como 
país, queria levantar a cabeça após a ditadura do Estado Novo, aí veio o
 golpe de 64. Aí, a gente estava se reerguendo, agora de novo, depois da
 ditadura militar, votando por partido e presidente de esquerda no 
comando do país, aí vem novamente. Então, é um desafio que é permanente,
 mas que só empresta grandiosidade à nossa luta e à nossa resistência. 
1964 não acabou, é um desafio, é uma página que paira sobre as nossas 
cabeças. É fundamental que a gente nunca deixe de lembrar disso, pelos 
que se foram, por nós que estamos aqui e pelos outros que ainda virão e 
nós temos um compromisso com o futuro desse país, com a dignidade para 
as nossas novas gerações”, finalizou Arleth.
Palestina
Os atos de hoje - organizados pelas Frentes 
Brasil Popular e Povo Sem Medo - contaram com apoio de centrais 
sindicais e partidos progressistas e também chamam atenção para o 
massacre contra o povo palestino promovido por Israel em Gaza.
As autoridades de Gaza afirmam que, desde o 
início da guerra de Israel com o Hamas, em 7 de outubro, 32.142 pessoas 
morreram na Faixa de Gaza, a maioria mulheres e crianças. Pelo menos 72 
pessoas morreram nas últimas 24 horas. Nessa sexta-feira (22), o 
Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) não 
conseguiu aprovar uma resolução que pedia cessar-fogo imediato em Gaza.
“A gente está aqui falando de memória e a 
gente sabe que precisa saber da história para saber que está acontecendo
 um genocídio na Palestina”, finalizou Azúca.
		         
                                    Fonte:  https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-03/ativistas-promovem-atos-em-defesa-da-democracia-brasileira