Mais 500 mil pessoas não conseguiram pagar dívidas entre abril e maio, somando 66,6 milhões de CPFs negativados. Brasileiros devem R$ 1 trilhão em contas vencidas;
A tragédia socioeconômica fomentada por Jair Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes desde 2019 levou cidadãos e famílias ao maior patamar de endividamento já registrado no país. Apenas em contas vencidas, 93,5 milhões de brasileiros e brasileiras, ou 97% da população economicamente ativa, deviam em abril R$ 1 trilhão, incluídos juros e mora. E a situação só deverá atingir o ponto crítico em 2023.
Os números foram compilados pela holding MGC, especializada em recuperação de crédito, para o jornal Valor Econômico. O levantamento combina dados da Serasa Experian, que consideram apenas dívidas vencidas em até cinco anos. Em torno de 27,5 milhões de CPFs já registram atrasos acima desse teto e estão fora das estimativas.
O sócio-diretor da MGC, Eduardo Martins, disse ao jornal que 2022 já bateu o recorde de volume de carteiras (de dívidas inadimplentes) negociadas no mercado. “Em apenas meio ano, já passamos do volume inteiro de 2021”, surpreende-se. O segundo semestre, avalia o especialista, tende a manter o ritmo de crescimento, com “a chegada ao mercado de carteiras (de crédito com atraso) muitos grandes”.
De fato, o levantamento divulgado nesta segunda-feira (11) pelo Serasa revela que o recorde batido em abril – 66,1 milhões de CPFs negativados – já foi superado em maio, com mais 500 mil CPFs no triste rol da inadimplência em apenas um mês. Agora, são 66,6 milhões de pessoas, ou 31% da população, na “lista suja” do Serasa, fato inédito desde o início da série histórica, em 2016.
Na comparação com maio de 2021, são quatro milhões de pessoas a mais com o nome sujo no último ano do desgoverno Bolsonaro. Desde janeiro, o número de negativados aumentou em 1,8 milhão de pessoas.
“O número nunca tinha passado dos 66 milhões e ocorreu pela primeira vez em abril”, comenta o economista da Serasa Experian, Luiz Rabi. Ele diz que o ciclo de inadimplência se acentuou a partir do início do quarto trimestre de 2021, quando a inflação passou ao patamar de dois dígitos.
“A inflação reduz a capacidade de pagamento e isso faz com que pessoas que estavam pagando normalmente não consigam mais”, ressalta Rabi, já projetando novos recordes nos próximos meses. “A combinação de inflação e juros altos está provocando um ciclo de aumento da inadimplência que não se encerrou”, destaca o economista. Essa elevação, avalia, “vai continuar ao longo do próximo trimestre ou até o fim do ano”.
Pico da inadimplência pode ocorrer só em 2023
Michel Viriato, professor de Finanças do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), concorda com a avaliação do economista. Segundo ele, “o pico da inadimplência ainda não chegou”. Ele explica que o auge dos atrasos em pagamentos de dívidas costuma ocorrer no “vale” do crescimento, quando a economia atinge o ponto mais fraco.
“Temos uma economia ainda em crescimento no segundo semestre e uma melhora de curto prazo, porque o governo despejará muito dinheiro na economia por meio da PEC que vai bonificar algumas classes”, enumera Viriato. “A gente talvez visse o vale do crescimento em meados deste ano, mas provavelmente vai ficar para o próximo.”
Quando o vale chegar, diz o professor, “é bem provável que tenhamos um pico de inadimplência maior do que na recessão anterior”. A pressão da alta de juros, prevê, deve continuar, com o Banco Central (BC) mantendo os juros em dois dígitos até o fim de 2023. “Vamos ver a inflação cair nos próximos meses como reflexo da redução do ICMS (sobre combustíveis), mas o BC terá de manter a Selic elevada por mais tempo, porque estamos empurrando inflação para o ano que vem”, conclui.
Puxado por preços mais altos da alimentação fora de casa e dos planos de saúde, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 0,67% em junho. O resultado mostra uma aceleração do índice oficial de inflação do país, pois o avanço foi menos intenso em maio (0,47%). A variação de 0,67% é a maior para junho desde 2018, quando o índice subiu 1,26%, influenciado pela greve dos caminhoneiros.
Para alegadamente combater a alta dos preços, o Conselho de Política Monetária (Copom) do BC promove desde o início de 2021 uma série de aumentos na taxa básica de juros (Selic), que saiu da mínima histórica de 2% ao ano para os atuais 13,25%. Ao aumento do custo do dinheiro se soma a taxa de desemprego, também de dois dígitos, e rendimentos cada vez mais baixos.
O economista da Serasa avalia que a crise atual não tem raízes no superendividamento, mas nessa combinação de perda de poder aquisitivo e encarecimento do crédito. “No início da pandemia, os estímulos ajudaram a fazer com que o número de inadimplentes caísse 2,4 milhões entre janeiro e dezembro de 2020,” afirma. “O auxílio emergencial e os juros historicamente baixos, que facilitaram renegociações, fizeram a diferença.”
Mas quando a inflação superou os dois dígitos, em outubro de 2021, o pêndulo se inverteu. “E não foi por superendividamento. Não estamos vivendo uma expansão frenética do crédito”, ressalta Rabi. “É uma questão de perda do poder aquisitivo, além de encarecimento e restrição do crédito, com as instituições sendo muito mais cautelosas na concessão.”
Da Redação da Agência PT, com informações do Valor Econômico
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