© AP Photo / Andrew Harnik
O alarmante aumento da dívida interna dos Estados Unidos vem desencadeando debates acalorados tanto no interior quanto fora do Congresso americano. Afinal, a vultosa conta pode respingar em toda a sociedade e mesmo em todo o planeta.
Pedro Gustavo Cavalcanti Soares, doutor em ciência política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenador do bacharelado em relações internacionais da Faculdade Damas, destaca as consequências negativas que essa realidade impõe ao país e os impactos para o resto do mundo.
Em uníssono, analistas ouvidos pela Sputnik Brasil destacam a importância de prestar atenção nos movimentos estadunidenses e suas consequências mundo afora. Soares ressalta que o descontrolado crescimento da dívida doméstica afeta diretamente áreas cruciais como saúde e educação nos EUA.
Brenno Almeida, economista especializado em planejamento e gestão pública pela Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade de Pernambuco (Fcap-UPE) faz coro ao internacionalista.
Quanto é a dívida dos Estados Unidos?
A dívida dos EUA recentemente atingiu o montante histórico de US$ 34 trilhões (R$ 167,2 trilhões), um recorde até então.
Além de ter reflexos nas taxas crescentes de pobreza, o país figura como líder no aumento desse índice a nível global. Institutos independentes corroboram essa preocupante realidade, evidenciando a necessidade urgente de atenção às políticas internas para reverter esse cenário.
“Quando a gente fala em consequências dessa dívida são consequências nefastas [..]. Em primeiro lugar, para os aspectos sociais, educação e saúde principalmente. Além disso, uma elevada taxa é a crescente taxa da pobreza no país. Não é à toa que os Estados Unidos são o país em que a pobreza mais cresce no mundo”, enfatiza Almeida à Sputnik Brasil.
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Breno Almeida destaca a relevância dos títulos da dívida dos Estados Unidos como uma peça fundamental no xadrez financeiro global. Ele desvela os intricados mecanismos por trás dessa dinâmica e suas ramificações em níveis internacionais.
“Todo país elementa dívida através de títulos públicos e esses títulos são um instrumento de negócio interessante porque você compra um direito da dívida, você se torna credor de alguém. […] E no caso você se torna credor dos Estados Unidos. Então muitos países, Brasil, a China e as famílias em geral, no mercado de títulos, consomem esse ativo. Então é um elemento significativo, é um elemento interessante”, explica.
Conflitos internacionais e o ônus dos EUA
O internacionalista destaca, também, a persistência dos Estados Unidos em investir pesadamente em conflitos internacionais, perpetuando uma abordagem que remonta ao período pós-Primeira Guerra Mundial. A política de se envolver em conflitos para impulsionar a economia e garantir apoio parece desconectada das necessidades internas do país, conforme apontam os dados recentes.
“São consequências bem negativas considerando essa atenção a um aspecto internacional ao crescente investimento aos conflitos no exterior […] É como se os Estados Unidos ainda não tivessem abandonado aquela ideia do período entre guerras […] Período que ficou conhecido como período entre guerras e naquela naquela época o país tinha um potencial enorme de crescimento a partir de investimentos na área de segurança, na qual suas empresas vendiam armamento tanto para o próprio país como para fora”, relembra e calibra.
A análise de Soares sugere um abandono na formulação de políticas domésticas eficazes, incluindo a luta contra a pobreza e investimentos substanciais em educação. Em vez disso, os EUA parecem presos a uma abordagem do século XX, baseada na busca de influência global através de intervenções militares.
Quais as características de um mundo multipolar?
Diante do debate sobre a importância da multipolaridade diante do crescimento descontrolado da dívida interna dos Estados Unidos, Almeida destaca a relevância desse cenário não apenas no âmbito político, mas também nas dinâmicas econômicas globais.
“A importância da multipolaridade se dá por vários elementos”, argumenta Almeida. Ele enfatiza a necessidade de diversificação nos polos econômicos, sugerindo que a democratização dos meios de troca pode ser um catalisador para o surgimento de novos centros econômicos. Essa diversificação, segundo o economista, poderia contribuir para a melhoria da situação econômica de diversos territórios ao redor do mundo.
“Isso talvez [medo da perda de hegemonia] seja um temor de quem preza por uma hegemonia americana […] é que você vai passar a ter em certa medida uma democratização do crescimento global, você vai ter, naturalmente, um crescimento menor das economias centrais e um crescimento maior das economias periféricas”, enfatiza.
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A abordagem de Almeida sugere que a multiplicidade de polos econômicos não apenas proporcionaria uma redistribuição de recursos, mas também impactaria as cadeias globais de maneira significativa. O especialista acredita que esse novo paradigma econômico poderia resultar em uma democratização do crescimento global, afetando diretamente a dinâmica entre as economias centrais e periféricas.
“Acredito que o que pode acontecer, e isso talvez seja um temor de quem preza por uma hegemonia americana, é que você vai passar a ter em certa medida uma democratização do crescimento global”, destaca Almeida.
Ele sugere que, como consequência desse rearranjo econômico, as economias centrais poderiam experimentar um crescimento mais moderado, enquanto as economias periféricas teriam a oportunidade de um crescimento mais expressivo.
Essa redistribuição, argumenta Almeida, não apenas contribuiria para uma maior equidade na distribuição da riqueza acumulada no mundo, mas também poderia alterar o equilíbrio de poder geopolítico.
A hegemonia americana, que tradicionalmente influenciou as dinâmicas globais, poderia ser desafiada por um cenário mais equitativo, onde múltiplos atores econômicos compartilham a responsabilidade e a oportunidade de impulsionar o desenvolvimento global.
O que significa desdolarização?
O processo de desdolarização consiste em países diversificarem suas reservas e se desvincularem da dependência do dólar americano.
O internacionalista Pedro Soares destaca a importância “crucial” da desdolarização das economias globais como uma estratégia fundamental para prevenir catástrofes financeiras, semelhantes à explosão da bolha que abalou os Estados Unidos em 2008.
Soares relembra o episódio marcante de 2008, quando à época o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que a crise financeira global seria apenas uma “marolinha” para o Brasil.
Essa perspectiva, segundo Soares, ganhou destaque porque o Brasil já estava adotando uma postura de se aproximar de outros países e estabelecer parcerias econômicas, reduzindo gradualmente sua dependência financeira dos Estados Unidos.
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“Aquela questão da marolinha ficou famosa exatamente porque o Brasil investia na verdade em se aproximar com outros países, ter outros países como parceiros financeiros econômicos e abandonar gradualmente uma dependência financeira dos Estados Unidos e isso fez com que o Brasil sentisse menos aquela explosão da bolha imobiliária em 2008”, exemplifica.
A terceira gestão do governo Lula vem apostando, novamente, nesta perspectiva: no começo de outubro, Brasil e China realizaram, pela primeira vez na história, uma transação comercial completa em yuan, algo considerado um “marco” por ambos os países.
O internacionalista destaca que a desdolarização é uma estratégia que visa minimizar os impactos de crises econômicas internacionais em países que historicamente eram mais suscetíveis a esses eventos. Soares enfatiza o exemplo das economias latino-americanas que buscam se aproximar da China, uma potência econômica que oferece estabilidade e força financeira.
“A China, ao investir em infraestrutura e adotar políticas de retorno mais brandas, se diferencia das imposições de austeridade frequentemente associadas ao FMI, uma instituição com forte influência dos Estados Unidos”, pondera.
“A desdolarização se mostra como algo muito frutífero para os países que até então eram dependentes dos Estados Unidos“, destaca Soares.
Segundo o analista, essa estratégia não apenas oferece uma proteção contra possíveis crises, mas também possibilita uma relação mais equilibrada e menos submissa aos interesses norte-americanos.
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